Um príncipe queria casar, mas queria que fosse com uma verdadeira princesa. Então, ele bolou um teste: ele colocava uma ervilha embaixo do colchão das princesas que vinham conhecê-lo, e, na manhã seguinte, perguntava como tinham dormido. Todas respondiam "Muito bem!", "Esse palácio é muito aconchegante". Até que, um dia, uma princesa respondeu "Ah, essa noite sequer dormi. Alguma coisa naquela cama me incomodou a noite toda, não consegui pregar os olhos!" E então o príncipe soube que essa era uma princesa de verdade, porque só uma princesa seria tão sensível a ponto de se incomodar com a ervilha no colchão.
Bom, guarda essa história aí. Agora vamos para o texto.
Assim, o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e manter os injustos sob castigo, para o Dia do Juízo.
2 Pedro 2:7-9 NAA
O apóstolo Pedro, para falar sobre como Deus sabe muito bem como tratar adequadamente justos e injustos, usa como exemplo a história de Ló. Ló era parente de Abraão e, em determinado momento, acaba indo morar em Sodoma. Ali, naquela cidade que depois viria a ser símbolo de devassidão, Ló, que era justo, temente a Deus, sofria. O que eu quero focar aqui é nisso: Ló sofria diante do pecado em Sodoma.
A aflição da alma de Ló
Ló ficava atribulado pela vida dissoluta deles e se afligia todos os dias vendo e ouvindo os seus pecados. Que pureza! Quantas vezes não falhamos em sofrer pelos nossos próprios pecados, mas ele não sofria em praticar pecados, mas já em ver e mesmo ouvir. A alma de Ló sofria profundamente toda vez que ele via como os sodomitas eram devassos, sujos. Era doloroso ter que viver, dia após dia, cercado por todos os lados de tanta imundície. Podemos entender que esse sofrimento diante do pecado está associado ao fato de ele ser o justo Ló. É essa a distinção que Pedro procura fazer: enquanto os sodomitas eram pecadores (e por isso foram destruídos por Deus), Ló sofria diante daqueles pecados. Ele era santo, estava sendo santificado pelo Senhor, por isso sofria com a pecaminosidade daquele lugar.
Nós sabemos, pelo testemunho da Escritura e na nossa experiência, que a santificação é progressiva. O que há cinco anos parecia normal, hoje já nos causa vergonha. As piadas que te faziam rir hoje dão nojo. O que você fazia pensando ser esperto hoje você lembra com vergonha e quer esquecer. A efervescência da carne com que você se agradava, hoje te é repugnante. A mentira, que parecia tão útil para escapar de situações desconfortáveis, hoje você reconhece como pecado. E daqui dois anos, reconheceremos muitas opiniões e ações que temos hoje como sendo impuras também. A nossa santificação, e, portanto, a nossa percepção do pecado, é progressiva. Isso porque Deus em sua sabedoria planejou a salvação de modo que a cada dia vamos percebendo um pouquinho mais, um pouquinho mais, o pecado na nossa vida e no mundo. E assim vamos tendo um pouco mais de nojo, um pouco mais de arrependimento. A progressão é essa: Todos nascemos pecadores e crescemos familiarizados com uns ou outros pecados — até que pela obra do Espírito vai sendo limpo nosso coração, vão sendo tirados os óculos, os filtros que os tornam toleráveis. Vamos percebendo a feiúra que passava batida. Vamos sofrendo, um pouco mais a cada dia, com o que ofende a Deus e antes nos era agradável. Vamos percebendo o pecado um pouquinho mais a cada dia. Assim também Ló, com certeza, foi sendo feito santo, sofrendo diante dos pecados daquela cidade. Como Deus se incomodava com aqueles pecados, também Ló se incomodava, e graciosamente Deus livrou o justo Ló do meio daquela aflição, e julgou os pecadores.
Mas aí é que está o mais interessante: Ló era semelhante a Deus, era santo, ao se incomodar com o pecado. Nós também, sendo santificados, vamos ficando mais próximos de Deus a cada dia, cada dia nos incomodando mais com o pecado. Progressivamente, reconhecendo a feiúra do pecado e a beleza de Deus, vamos nos aproximando de Deus. Agora o que realmente mais me edificou em relação a esse texto, a partir de uma reflexão trazida por Sinclair Ferguson, se não me engano, em um painel de perguntas e respostas da Ligonier:
A aflição da alma de Cristo — e a obra das suas mãos
O Senhor Jesus, em todos os segundos de sua vida, estava cercado pelo pecado por todos os lados. E ele é Deus, o Filho de Deus. Ele é puro e santo. Nunca tolerou o pecado, nem por um segundo. Desde os primeiros anos de vida, desde que abriu os olhos, em todo lugar, ele sempre esteve completamente cercado por pecados. E se Ló ficava atribulado — quanto mais o Senhor Jesus. Nem um só dia de toda a sua vida o Senhor passou sem ver pecado e injustiça nas casas, nas lojas, nas sinagogas, até no templo. Ele olhou para os que queriam apedrejar a mulher pega em adultério, e em cada um viu todos os pecados. E se a alma justa de Ló ficava aflita, o Senhor Jesus ficava muito, muito mais. Sofria por dentro, tinha nojo, abominação. O mundo que ele criou, vinte e quatro horas por dia, sendo destruído; as pessoas que ele criou sendo oprimidas — as pessoas que ele criou desprezando-o, a Ele, o criador. Como o sangue dos profetas não clamava aos seus ouvidos, do pó da terra! Como as paredes das casas, o chão das ruas, tudo, não devia clamar aos seus ouvidos: "iniquidade!" Segundo suas próprias palavras, seria mais apropriado que uma pessoa se amarrasse a uma pedra de moinho e se jogasse no meio do mar do que levar alguém a pecar. É a tal ponto que o pecado é abominável ao Senhor.
E no entanto, e no entanto, será que Ele também não percebia uma infinidade de pecados na mulher pega em adultério? E na mulher com fluxo de sangue, no coxo? Sabemos que Jesus tem nojo do pecado, e que sua alma verdadeiramente justa ficava aflitíssima nesse mundo — mas em todos os dias da sua vida, salvou. Curava, ensinava, perdoava. Podia sentir uma ânsia horrível, mas Seu coração a todos era genuíno amor. Por que o Senhor veio se submeter à aflição de ver o pecado de perto? Para livrar ao justo Ló. Para livrar eternamente os Seus da aflição de conviver com o pecado.
Justamente como diz o apóstolo Pedro, o Senhor sabe livrar os piedosos e manter os injustos sob juízo: Ló, no final das contas, foi resgatado por Deus do meio daquela situação que tanto o incomodava. Enquanto Sodoma ardia, sendo destruída no juízo que o Senhor enviou contra ela por seus pecados, Ló foi tirado daquele meio, são e salvo.
Voltando à história da princesa e a ervilha, o Senhor Jesus, Filho de Deus, príncipe por excelência, puro e santo, se incomodava até com a menor ervilhinha de pecado nesse mundo — mas se dignou a morar aqui por anos e anos, para tornar príncipes nós que éramos plebeus insensíveis, apáticos.
O que temos que aprender, então, é a chorar lágrimas de Ló diante do pecado. Mais: chorar lágrimas de Cristo. Sofra diante do pecado, se aflija, chore, tenha raiva, tenha nojo — fique verdadeiramente aflito com o pecado, mas não peque. Não peque, e fique realmente sensibilizado com a sujeira que o pecado é; que até a menor ervilha te incomode, como Ló ficava aflito, como o Senhor Jesus infinitamente mais abomina. Sofra diante do pecado — porque o Senhor vai te livrar dele.
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