O Amor me deu boas-vindas, mas hesitei
Sujo de pó e pecado
Mas o esperto Amor, vendo que desconfiei
Desde que eu tinha entrado
Com ternura se achegou a mim, me perguntando
Se algo estava faltando
“Um convidado que tivesse merecido.”
O Amor: “Você será.”
“Eu, que sou o insensível, o ingrato? Ah querido,
Não posso nem te olhar.”
O Amor pegou minha mão, sorriu, respondeu:
“Quem fez o olho senão eu?”
“Sim, senhor, mas eu o manchei: tal me envergonhou,
O que ganhei terei.”
“E não sabe" — o Amor — “quem a culpa levou?”
“Querido, eu servirei.”
“Deve sentar” — o Amor — “a carne eu já provi.”
Então eu sentei e comi.
O Amor é bondoso. Mas mesmo assim, por que me convidar para ir à sua casa?
George Herbert, poeta cristão do século XVII, tinha um coração de carne e não de pedra: ele sentia sinceramente seus erros, e conseguia traduzir esse sentimento em poesia capaz de despertar, pela graça de Deus, o mesmo nos outros. Nesse poema, "Amor (III)", ele faz uma pequena alegoria da chegada da alma no banquete dado pelo Amor.
Visitar o Amor pode ser vergonhoso, mas não para ele.
O poema começa com o eu lírico, isto é, a Alma, chegando na casa do Amor, que o convidou para um banquete. O Amor lhe dá boas-vindas, mas o eu lírico, talvez olhando a riqueza da casa, hesita em ficar ali, se sente sujo, não entende porque aquele anfitrião pensaria em convidá-lo. Ao perceber esse desconforto, o Amor se aproxima do eu lírico e — quando seria esperado portar-se como senhor, talvez até expulsando o convidado inconveniente (que estava tão visivelmente incomodado a ponto de chamar a atenção do anfitrião), ele se porta como servo, pondo-se à disposição — pergunta: "Está sentindo falta de algo?"
O eu lírico, talvez com um marejar de vergonha nos olhos, temendo ser humilhado, desconhecendo a motivação do Amor com aquilo, responde: "O que falta é um convidado que mereça tudo isso." Mas o Amor responde com doçura: "Ah, mas você mesmo será esse convidado!" No entanto, mesmo com palavras doces o eu lírico se ofende, pensando ser alguma armadilha; ele conhece os próprios erros: "O que você está dizendo? Eu sei que sou mesquinho. Não consigo nem te olhar." É necessário atentar ao real problema aqui: o que causa desentendimento não é o conhecimento que o eu lírico tem de si mesmo (de fato, ele está certo em se sentir inadequado), mas sim a falta de conhecimento que o eu lírico tem do Amor — ele não sabe que tipo de pessoa o amor é, por isso fica com medo e vergonha. E então, diante dessa confissão de vergonha do eu lírico, vergonha até de olhá-lo, o Amor, com uma jovialidade encantadora, segura a sua mão e responde sorridente, fazendo um trocadilho: "Ué, mas não fui eu que criei os olhos?"
Talvez tirando rápido a sua mão de entre as do Amor, o eu lírico diz: "Sim, Senhor, mas eu os estraguei. Minha vergonha tem que ter o que merece.” É interessante notar como o Amor nunca nega as confissões do eu lírico, antes, procura respondê-las acabando com toda dúvida quanto à sua generosidade, como nesse momento: "E você não lembra quem foi que levou a culpa por isso?" Com esse sinal de aceitação genuína, acontece uma mudança no eu lírico: ele não tem mais vergonha de estar ali, pelo contrário, ele se prontifica a servir a mesa, a ser o melhor servo da casa (ecoando Pedro, que jurou nunca negar seu amor, antes, ser fiel até a morte). Mas não é isso que o Amor quer agora: Ele quer que o eu lírico simplesmente sente-se e aprecie o banquete. E assim, acolhido, o eu lírico realmente senta e come.
Essa alegoria é para conhecer o Amor: o Senhor Jesus, o Amor em pessoa, é assim. Generoso, acolhedor. Não nega nossos erros, mas nem por isso nos rejeita; antes, nos transforma. Não tenha medo, não suspeite de motivos sombrios, é simplesmente amor.
Quando o Senhor te der boas vindas, não hesite; Ele realmente se alegra com a sua chegada.
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