Pular para o conteúdo principal

O Infinito, de Giacomo Leopardi | Tradução de Poema



O Infinito


       Sempre caro me foi este morro só

       E esta cerca, que em tantas partes suas

       O último horizonte ver me nega.

       Mas sentado e observando, interminados

5     Espaços para lá, sobrehumanos 

       Silêncios, e profunda quietude

       Eu, na mente, formo; onde por bem pouco

       Meu coração não assusta. E como logo

       Ouço o vento soprar entre estas plantas

10   Aquele infinito silêncio à ouvida

       Voz vou comparando: e me vem o eterno,

       E as estações mortas, e esta presente

       E viva, e o som dela. Assim por entre esta

       Imensidão se perde a minha mente:

15   E o naufragar me é doce neste mar.


 ~ Giacomo Leopardi (1798-1837) [Tradução minha]

Comentário


 Giacomo Leopardi foi um poeta culto demais para a sua cidade. Morando em uma pequena vila da Itália, conforme diz o primeiro verso, “gostava de se sentar em uma colina solitária” (1). Ali, sozinho, não tinha uma visão privilegiada da cidade, como seria de se esperar; pelo contrário, não conseguia nem ver o horizonte, pois uma cerca viva à sua volta impedia a visão (2-3). Com essa introdução simples nos três primeiros versos, temos uma poesia sublime sobre o maravilhamento humano diante do universo. Seguindo o título também na forma, as frases não respeitam os versos, mas vão transbordando de um para o outro. Assim, do verso 4 à metade do 8, temos a imaginação do poeta; do 9 à metade do 13, temos uma comparação dessa imagem mental com a vida real, e nos dois últimos versos temos uma doce conclusão.

 

 (4-8) Naquela solitude sem nada interessante para ver, o poeta aproveita para imaginar o universo. Forma na sua mente “espaços sem fim além da cerca”, “silêncios sobrenaturais” e “quietude profundíssima”, ou seja, imagina um mundo calmo, sereno, infinito, sem perturbação. Traduzindo as palavras em imagens, não é difícil relacionar esses termos ao céu noturno, com o preto profundo do espaço sideral. Nisso, o poeta parece sumir — a realidade existe, como se ele próprio não. O universo parece uma imensidão indiferente e quieta, grande demais para qualquer coisa senão o silêncio. Mas isso não é uma ameaça ao poeta, pois ele não fica “assustado” com essa tamanha quietude.


 (9-13) E no entanto, realmente indiferente à consideração do poeta, o mundo se mostra vivo através do som do vento chacoalhando algumas folhas da cerca viva. Leopardi, então, começa a considerar a sua imaginação em vista daquele som, e o som em vista da imaginação, e nessa comparação prova uma sensação sublime: parece, por um momento, se perder no tamanho da glória da realidade — a eternidade, que se desdobra tanto nas estações passadas quanto na presente, que é viva e dá sinais, é o infinito que dá título ao poema. O mundo não cabe em uma caixinha poética, mas o deslumbre diante dele coube nesse poema, e é nesse deslumbre que termina:


 (14-15) No meio de tantos pensamentos e sensações, silêncio e som, passado e presente, morte e vida, o poeta se sente como um barco sendo engolido no mar. Mas não é trágico. Segundo ele, naufragar nesse mar, bebendo beleza como se fosse água, é doce. O que ele sentiu, me parece, é algo muito próximo da conclusão tirada por Salomão em Eclesiastes 3.11:


 Deus fez tudo formoso no seu devido tempo. Também pôs a eternidade no coração do ser humano, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim.


 Assim, no ápice do deslumbre, o poema acaba. Com a mente perdida entre tanta beleza, sem que se possa descobrir toda ela, resta ao poeta se calar e contemplar, talvez na esperança de nesses poucos versos ter suscitado no leitor a mesma sensação. E em mim suscitou — a beleza dessa sequência de imagens e sensações tão sublimes é quase irresistível. 


 O que enriqueceu ainda mais a minha leitura foi me lembrar da última estrofe de um hino cristão, Love Divine, All Loves Excelling [Amor divinal, todos amores superando]. Em tradução livre, ela diz:


       Mudados de glória em glória

       ‘Té no céu nosso lugar tomarmos

       ‘Té diante de Ti as coroas deixarmos

       Perdidos em maravilha, amor e louvor


 Giacomo Leopardi consegue capturar, na sua reflexão sobre a natureza, exatamente o estado de espírito dessa estrofe: Perder-se alegremente, deslumbrado com uma beleza maior do que você mesmo. O poema esclarece o sentimento do hino, e o hino aplica esse sentimento à realidade mais importante de todas.

 

 No entanto, diferente de Leopardi, a cena dessa estrofe não é uma solitude na natureza, mas a chegada de toda a igreja na Nova Cidade. Quando o Senhor Jesus voltar, todos os cristãos verdadeiros provarão o que o poeta provou, só que de forma muito mais intensa: A alma será inundada não somente pela vastidão da história, mas pelo fato de toda ela ter sido guiada pelo projeto de Deus; não somente pelo espaço, mas pelo fato do Senhor encarnado estar diante de nós; não só pela natureza, mas pelo próprio Criador que generosamente se revela em amor. O que foi doce ao poeta, será ainda mais, muito mais, doce. Será leite e mel, pão e vinho. Uma festa. O poeta encerra o poema se calando, mas, como o hino indica, teremos um primeiro ato ao mergulhar nesse bendito mar de santa alegria: deixaremos nossas coroas aos pés do nosso Rei. A alegria não será tanto ser recompensado quanto poder agradecer pessoalmente pela recompensa. A emoção não caberá no peito. Leopardi provou espanto e atração pela beleza que encontrou, mas não teve a quem agradecer — mas o hino chega até esse último passo.


  Olhos cheios de lágrimas, boca aberta em um leve sorriso quase descrente do que vê; olhos fechados, joelhos dobrados, mão se abrindo conforme deixa a coroa aos pés do Senhor, enquanto as mesmas bochechas comportam tanto um sorriso completo quanto lágrimas de alegria. A comparação daquela antiga vida mesquinha, inimiga de Deus, cega para a verdadeira luz, com este presente Salvador, tão bom e generoso, dando boas-vindas, será o mais doce mergulho consciente em um mar de maravilha, amor e louvor.



“Porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, 

como as águas cobrem o mar.”

Isaías 11.9



 




  


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor (III), de George Herbert | Tradução de Poema

 O Amor me deu boas-vindas, mas hesitei   Sujo de pó e pecado  Mas o esperto Amor, vendo que desconfiei  Desde que eu tinha entrado  Com ternura se achegou a mim, me perguntando  Se algo estava faltando  “Um convidado que tivesse merecido.”  O Amor: “Você será.” “Eu, que sou o insensível, o ingrato? Ah querido,  Não posso nem te olhar.”  O Amor pegou minha mão, sorriu, respondeu:  “Quem fez o olho senão eu?”  “Sim, senhor, mas eu o manchei: tal me envergonhou,  O que ganhei terei.”  “E não sabe" — o Amor — “quem a culpa levou?”  “Querido, eu servirei.”  “Deve sentar” — o Amor — “a carne eu já provi.”  Então eu sentei e comi.

O Centurião Romano, Sérgio Lopes | ACQMF #4

     O Centurião Romano, Sérgio Lopes       “Quando Ele expirou o sol escureceu, / era mesmo o Filho de Deus. / Seu sangue em minhas mãos me fez entender / que por mim um inocente estava lá. / Pode um mortal, perante o próprio Deus, / ser irreverente e ateu?”   Dessa vez, um irmão que conheço bem pouco, mas que tem uma canção que foi chave na minha visão da crucificação. Sérgio Lopes quase não aparece entre as minhas músicas mais ouvidas, mas Centurião Romano verdadeiramente apresentou o Cristo Crucificado e Seu sangue escorrendo diante dos meus próprios olhos.   Esse hino é baseado em uma cena da crucificação de Jesus em Mateus 27, especificamente o versículo 54, que diz:   “E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era o Filho de Deus.” Sérgio Lopes usa a confissão do centurião pra nos fazer sentir, por um moment...

Jesus das Cicatrizes, de Edward Shillito | Tradução de Poema

Jesus das Cicatrizes, de Edward Shillito Se nunca buscamos, Te buscamos então; Teus olhos são chamas no escuro, nossas únicas estrelas, diretrizes; Precisamos dos espinhos de Tua fronte na nossa visão; Precisamos de Ti, Oh Jesus das Cicatrizes. Os céus nos assustam— calmos demais são; Em todo universo não temos nós lugar. Nossas feridas estão doendo; os bálsamos, onde estão? Senhor Jesus, por Tuas Cicatrizes, Tua graça vamos clamar. Se, quando nossas portas estão fechadas, a nós Te achegas, Revela estas mãos, este Teu lado; Sabemos o que são feridas, não temas, Mostra-nos Tuas Cicatrizes, sabemos seu significado. Os outros deuses eram fortes; mas Tu foste fraco; Eles cavalgaram, mas Tu tropeçaste até o trono, és diferente; Mas às nossas feridas só as de Deus podem falar de fato, E deus algum tem feridas, senão Tu somente. ~ Edward Shillito (1872-1948)  Esse poema acima é minha tradução de "Jesus of the Scars", de Edward Shillito, composto em reação aos horrores da Primeira Gu...