Sempre caro me foi este morro só
E esta cerca, que em tantas partes suas
O último horizonte ver me nega.
Mas sentado e observando, interminados
5 Espaços para lá, sobrehumanos
Silêncios, e profunda quietude
Eu, na mente, formo; onde por bem pouco
Meu coração não assusta. E como logo
Ouço o vento soprar entre estas plantas
10 Aquele infinito silêncio à ouvida
Voz vou comparando: e me vem o eterno,
E as estações mortas, e esta presente
E viva, e o som dela. Assim por entre esta
Imensidão se perde a minha mente:
15 E o naufragar me é doce neste mar.
Comentário
Giacomo Leopardi foi um poeta culto demais para a sua cidade. Morando em uma pequena vila da Itália, conforme diz o primeiro verso, “gostava de se sentar em uma colina solitária” (1). Ali, sozinho, não tinha uma visão privilegiada da cidade, como seria de se esperar; pelo contrário, não conseguia nem ver o horizonte, pois uma cerca viva à sua volta impedia a visão (2-3). Com essa introdução simples nos três primeiros versos, temos uma poesia sublime sobre o maravilhamento humano diante do universo. Seguindo o título também na forma, as frases não respeitam os versos, mas vão transbordando de um para o outro. Assim, do verso 4 à metade do 8, temos a imaginação do poeta; do 9 à metade do 13, temos uma comparação dessa imagem mental com a vida real, e nos dois últimos versos temos uma doce conclusão.
(4-8) Naquela solitude sem nada interessante para ver, o poeta aproveita para imaginar o universo. Forma na sua mente “espaços sem fim além da cerca”, “silêncios sobrenaturais” e “quietude profundíssima”, ou seja, imagina um mundo calmo, sereno, infinito, sem perturbação. Traduzindo as palavras em imagens, não é difícil relacionar esses termos ao céu noturno, com o preto profundo do espaço sideral. Nisso, o poeta parece sumir — a realidade existe, como se ele próprio não. O universo parece uma imensidão indiferente e quieta, grande demais para qualquer coisa senão o silêncio. Mas isso não é uma ameaça ao poeta, pois ele não fica “assustado” com essa tamanha quietude.
(9-13) E no entanto, realmente indiferente à consideração do poeta, o mundo se mostra vivo através do som do vento chacoalhando algumas folhas da cerca viva. Leopardi, então, começa a considerar a sua imaginação em vista daquele som, e o som em vista da imaginação, e nessa comparação prova uma sensação sublime: parece, por um momento, se perder no tamanho da glória da realidade — a eternidade, que se desdobra tanto nas estações passadas quanto na presente, que é viva e dá sinais, é o infinito que dá título ao poema. O mundo não cabe em uma caixinha poética, mas o deslumbre diante dele coube nesse poema, e é nesse deslumbre que termina:
(14-15) No meio de tantos pensamentos e sensações, silêncio e som, passado e presente, morte e vida, o poeta se sente como um barco sendo engolido no mar. Mas não é trágico. Segundo ele, naufragar nesse mar, bebendo beleza como se fosse água, é doce. O que ele sentiu, me parece, é algo muito próximo da conclusão tirada por Salomão em Eclesiastes 3.11:
Deus fez tudo formoso no seu devido tempo. Também pôs a eternidade no coração do ser humano, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim.
Assim, no ápice do deslumbre, o poema acaba. Com a mente perdida entre tanta beleza, sem que se possa descobrir toda ela, resta ao poeta se calar e contemplar, talvez na esperança de nesses poucos versos ter suscitado no leitor a mesma sensação. E em mim suscitou — a beleza dessa sequência de imagens e sensações tão sublimes é quase irresistível.
O que enriqueceu ainda mais a minha leitura foi me lembrar da última estrofe de um hino cristão, Love Divine, All Loves Excelling [Amor divinal, todos amores superando]. Em tradução livre, ela diz:
Mudados de glória em glória
‘Té no céu nosso lugar tomarmos
‘Té diante de Ti as coroas deixarmos
Perdidos em maravilha, amor e louvor
Giacomo Leopardi consegue capturar, na sua reflexão sobre a natureza, exatamente o estado de espírito dessa estrofe: Perder-se alegremente, deslumbrado com uma beleza maior do que você mesmo. O poema esclarece o sentimento do hino, e o hino aplica esse sentimento à realidade mais importante de todas.
No entanto, diferente de Leopardi, a cena dessa estrofe não é uma solitude na natureza, mas a chegada de toda a igreja na Nova Cidade. Quando o Senhor Jesus voltar, todos os cristãos verdadeiros provarão o que o poeta provou, só que de forma muito mais intensa: A alma será inundada não somente pela vastidão da história, mas pelo fato de toda ela ter sido guiada pelo projeto de Deus; não somente pelo espaço, mas pelo fato do Senhor encarnado estar diante de nós; não só pela natureza, mas pelo próprio Criador que generosamente se revela em amor. O que foi doce ao poeta, será ainda mais, muito mais, doce. Será leite e mel, pão e vinho. Uma festa. O poeta encerra o poema se calando, mas, como o hino indica, teremos um primeiro ato ao mergulhar nesse bendito mar de santa alegria: deixaremos nossas coroas aos pés do nosso Rei. A alegria não será tanto ser recompensado quanto poder agradecer pessoalmente pela recompensa. A emoção não caberá no peito. Leopardi provou espanto e atração pela beleza que encontrou, mas não teve a quem agradecer — mas o hino chega até esse último passo.
Olhos cheios de lágrimas, boca aberta em um leve sorriso quase descrente do que vê; olhos fechados, joelhos dobrados, mão se abrindo conforme deixa a coroa aos pés do Senhor, enquanto as mesmas bochechas comportam tanto um sorriso completo quanto lágrimas de alegria. A comparação daquela antiga vida mesquinha, inimiga de Deus, cega para a verdadeira luz, com este presente Salvador, tão bom e generoso, dando boas-vindas, será o mais doce mergulho consciente em um mar de maravilha, amor e louvor.
“Porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor,
como as águas cobrem o mar.”
Isaías 11.9
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