Uma das minhas esperanças com o Bethlehem College & Seminary é que a educação recebida aqui implante um hábito mental duradouro de prosseguir por meio da escolha das palavras dos textos bíblicos, primeiramente, até a realidade que o autor conscientemente tem a intenção de comunicar, e, então, mais fundo, até a realidade mais profunda onde essa intenção imediata está enraizada.
Deixe-me tentar dizer isso de outro modo, e em seguida vou ilustrar com um texto bíblico, e relacioná-lo com Shakespeare e a pandemia do Coronavírus. Já que Deus é o autor supremo da Bíblia — o autor por trás dos autores, guiando-os, como Pedro diz (2 Pedro 1:21) — logo, todo significado bíblico está enraizado na visão de Deus sobre a realidade. O que carrega também a implicação de que todo significado bíblico está enraizado na realidade suprema — a realidade de Deus: quem Deus é, o modo em que Ele se relaciona com as coisas, e o modo que as coisas realmente são. Portanto, a Bíblia tem um potencial educacional maior do que qualquer outro livro no mundo. Ela pode nos levar à realidade suprema sob todas as outras realidades; e, portanto, iluminar todas outras realidades ao revelar a sua relação com a realidade suprema. Portanto, quando nós dizemos que no Bethlehem College & Seminary nós lemos grandes livros à luz do Maior Livro, dizemos mais do que parece.
Exegese na Superfície Então, deixe-me ilustrar esse hábito mental com um texto bíblico— a última parte de 2 Coríntios 3:6. Aqui está o contexto (versos 5–6): Não que sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se viesse de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus. Foi ele quem também nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito. Porque a letra mata, mas o Espírito dá vida. “A letra mata, mas o Espírito dá vida.” Esta é a sentença que eu quero penetrar — penetrar até a inteção imediata e consciente de Paulo; e então mais fundo, até a realidade mais profunda que se relaciona com Shakeaspeare e com o Coronavírus — e com incontáveis outras coisas. A que Paulo se refere quando diz, “A letra mata, mas o Espírito dá vida”? No versículo seguinte (7), ele fala de “letras em pedras,” e no versículo 3, ele fala de “tábuas de pedra.” Assim, Paulo está se referindo à Lei Mosaica — especificamente, aos Dez Mandamentos, entregues em "tábuas de pedra" no Monte Sinai. Este é o significado mais imediato de letra quando ele diz, “A letra mata.” É semelhante a Romanos 7:10: “o mandamento, que era para vida, se tornou em morte para mim.” Assim, a letra — isto é, o mandamento escrito em pedra — mata. E quando ele diz, "mas o Espírito dá vida", ele tem em mente a obra do Espírito de Deus que faz no coração humano aquilo que a nova aliança prometeu. Versículo 6: “[Nós somos] ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito.” Versículo 3: “[Os coríntios são] como carta de Cristo . . . escrita . . . pelo Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações de carne. Versículo 18: “[Nós estamos sendo transformados] de glória em glória, o que vem do Senhor que é o Espírito.” Assim, "o Espírito dá vida" significa: O que letras em pedra não podem fazer, o Espírito, trabalhando no coração, pode — a saber, dar vida: vida espiritual, vida eterna. Você poderia fechar sua Bíblia nesse ponto, e pregar seu sermão, ou dar sua aula, ou viver sua vida. E o ponto seria: Não transforme o cristianismo em uma mera lista de regras — sejam os Dez Mandamentos ou qualquer outra lista. Pois sem a obra do Espírito Santo, mandamentos e regras matam! Isto é, encontram um coração auto-suficiente e produzem ou uma rebelião auto-glorificante ao rejeitar as regras, ou uma moral auto-satisfeita alcançada por seguir as regras — em ambos os casos: morte. A letra mata. O Espírito dá vida. Esse é o seu sermão, ou a sua aula, e isso está exatamente correto. Essa é uma apresentação fiel do texto. E você pode parar aí e dormir bem.
Cavando Mais Fundo Ou você pode ir para o Bethlehem College & Seminary. E formar o hábito duradouro de penetrar na, e então através da, realidade intencional imediata, indo mais adentro e mais a fundo na realidade raiz de Deus. E a forma mais eficiente que eu conheço de se fazer isso é incansávelmente perguntar e responder. Como: Por que Paulo usa o termo "letra" (gramma) ao invés de usar a palavra "lei" ou "mandamento”? Por que não dizer "a lei mata" ou "o mandamento mata”? Por que escolher uma palavra que se refere ao pequenino bloco que constrói as todas palavras e todo significado verbal? E depois, podemos perguntar: O que o Espírito faz exatamente que impede a letra de matar? Pois Paulo claramente ama a lei, e chama-a de “santa, justa e boa.” (Romanos 7:12). Ela não tem que matar. Ela nem sempre mata. O que o Espírito faz para que a letra não mate?
Toda Letra Mata Eu creio que a resposta à primeira pergunta (Por que dizer “a letra mata,” ao invés de “a lei mata”?) é que Paulo sabe que não é só a lei que mata. Ele disse "a letra mata.” Ele escolheu o bloco que constrói as palavras, que constroem as frases, que então constroem as peças gregas, e os tratados filosóficos, e Shakespeare, e livros sobre o Coronavirus, e sermões pregados por apóstolos. Eles são todos feitos de letras. E todos eles matam. E diante disso você pode pensar "Opa, isso é ir longe demais. Agora você virou o texto de ponta cabeça, se você está dizendo que o evangelho que os apóstolos pregam mata!” Diante do que eu respondo, o que você me diz de nove versículos antes? Ali Paulo diz, Porque para Deus [nós, apóstolos que pregamos o evangelho,] somos o bom aroma de Cristo, tanto entre os que estão sendo salvos como entre os que estão perecendo. Para estes, somos cheiro de morte para morte, mas para aqueles, aroma de vida para vida. E quem está preparado para essas coisas? (2 Coríntios 2:15–16) Em outras palavras, alguns sentem o aroma do evangelho como pedra de tropeço tóxica e loucura nociva (1 Coríntios 1:23). E eles morrem. O próprio evangelho se torna para eles "cheiro de morte para morte." Ele encontra um coração morto, e leva à morte. Mas onde o Espiríto Santo faz seu trabalho vivificador, ali o evangelho é cheiro de vida para vida. A letra mata — a letra da lei mata, a letra do evangelho mata. Mas o Espírito dá vida.
Só o Espírito Santo Vivifica O que nos traz à nossa segunda pergunta: O que o Espírito realmente faz para que a letra não mate? Como o Espirito transforma uma letra assassina em um meio Seu de vivificar? Conforme o argumento de Paulo continua, ele dá a resposta e, 2 Coríntios 4:4-6: O Espírito tira a cegueira mortal do coração de modo que os olhos do coração possam ver e apreciar a letra como ela realmente é na sua relação com a realidade suprema — com a glória de Cristo, e Deus, e a cruz, e a fé. e com os propósitos revelados de Deus no mundo. Então, quando nós penetramos no significado de um texto como 2 Coríntios 3:6 (“Porque a letra mata, mas o Espírito dá vida”), e quando nós penetramos através do seu significado até as realidades supremas, na raiz, nós começamos a ver a vastidão das implicações educacionais do hábito mental duradouro de prosseguir até as realidades mais profundas por baixo de textos bíblicos como este.
Prisma de Louvor Eu encerro com dois exemplos dessas implicações: Shakespeare e o Coronavírus. Todo drama Shakespeareano é composto de letras, 26 letras, combinadas em palavras, frases, cenas e atos. E tudo que você lê e ouve sobre o Coronavírus — quer seja científico, ou sejam notícias, ou livros como Coronavírus e Cristo — tudo é composto de letras, 26 letras, que formam palavras e frases e parágrafos. Parágrafos mortais. Frases Shakespeareanas mortais. Notícias diárias mortais. Teologia Reformada mortal. Porque a letra mata. Ela sempre mata. Ela só mata. Não importa quem a escreve. Quer seja Deus em pedra, ou Paulo em pergaminho, ou Shakespeare no papel, ou Piper em um computador. A letra mata — sempre mata. A menos que o Espírito dê vida. Se o Espírito Santo remover a cegueira mortal do coração humano e trazer a letra de Shakespeare e a letra do Coronavírus à sua verdadeira relação com a realidade suprema de Deus na história, e com a glória de Cristo, e com a obra da salvação, e com a obediência da fé, e com os propósitos supremos de Deus na história, então até um drama Shakespeareano ou uma doença devastadora podem se tornar um prisma que gera louvor, através do qual a glória de Deus brilha de forma única. Vocês gastaram anos conosco no Bethlehem College & Seminary formando este hábito mental duradouro — o hábito de penetrar no e através do significado dos textos bíblicos, indo mais fundo nas realidades supremas, na raiz, que estão conectadas com tudo — tudo! E sendo assim, minha oração por vocês é que vocês possam viver pelo Espírito, e que os olhos dos seus corações possam ser iluminados para verem toda letra, — na lei, no evangelho, em Shakespeare, no Coronavírus — toda letra, em sua verdadeira relação com Deus em Cristo, gerando um louvor sem fim. Amém.
Este artigo é uma palestra de John Piper apresentada na Universidade e Seminário Bethlehem. O artigo no original:
https://www.desiringgod.org/messages/every-letter-kills-including-shakespeare
John Piper fundou e é professor na desiringGod.org e é chanceler do Bethlehem College & Seminary. Por mais de trinta anos, serviu como pastor na Igreja Batista Bethlehem, em Minneapolis. Ele é autor de mais de cinquenta livros, e seus sermões, artigos, livros e mais estão disponíveis sem custo em desiringGod.org.
By John Piper. © Desiring God Foundation. Source: desiringGod.org
Mas o Espírito vivifica!
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