Uma família chorando enquanto vê o menor filho da casa avançar pelo caminho em direção à maior jornada do mundo: "Uma peregrinação pelo Vale das Lágrimas até o Monte Sião, a cidade do Deus Vivo". É com esta cena que começa esta alegoria de John MacDuff, escrita no mesmo gênero do famoso clássico "O Peregrino" de John Bunyan. Abaixo se encontram os dois primeiros capítulos da obra, que traduzi e disponibilizo aqui gratuitamente.
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A Grande Jornada
Uma peregrinação pelo Vale das Lágrimas
até o Monte Sião, a cidade do Deus vivo.
De John MacDuff, 1855.
Tradução de Pedro H. Lima.
"E falou-lhes muitas coisas por meio de parábolas."
Mateus 13:3
CAPÍTULO 1
Enquanto eu caminhava pela Estrada do Tempo, cheguei a um novo marco; e estando cansado por causa da minha jornada, "lá deitei-me para dormir; e, enquanto dormia, tive um sonho."-- O Peregrino.
Pensei que via uma casa, situada sozinha em um dos vales isolados do mundo. Em frente às suas simples e rústicas colunas estava um homem velho, pálido e agitado. Seus olhos estavam pensativos e fixos no chão; e, se em algum momento eles se levantavam para dar uma apressada olhada em algum objeto distante, parecia um alívio quando podiam ser postos de novo na grama verde aos seus pés, e continuar sua profunda e expressiva reflexão. As lágrimas, que por vezes caíam involuntariamente dos seus olhos, contavam algum conto incomum de tristeza, enquanto os outros habitantes da casa, que estavam juntos em torno dele, manifestavam, na palavra e no olhar, quão amplamente eles compartilhavam seus amargos sentimentos.
A aparência da casa em si, bem como tudo o que estava em volta dela, não indicava nada senão alegria e satisfação. Os raios do sol, naquela hora, estavam dançando e reluzindo no córrego que murmurava por ali. Um grupo de árvores rudes atrás estava lançando sombras fantásticas no gramado, enquanto passarinhos de várias cores respondiam uns aos outros de galho em galho com músicas alegres.
Enquanto refletia sobre a possível causa dessas estranhas emoções, eu observei alguém desaparecendo rapidamente ao longe, cujos passos o grupo em torno da porta da casinha estavam observando com pesar. Suas frases soluçadas logo revelaram a história do rapaz. Era um membro da família, que acabara de dar adeus à casa da sua juventude e começava, sozinho, a maior peregrinação do mundo! Seu pai o seguiu, alguns minutos antes, até o portão, com muitas bençãos. Avisando-o para "fugir da ira vindoura", ele direcionou seus passos à Cidade Celestial, cujos portões estão no fim do Vale das Lágrimas.
"Meu filho," foram suas palavras de despedida, "se os pecadores querem seduzir-te, não o consintas. não te ponhas a caminho com eles; guarda das suas veredas os pés". Cheio de amor filial, Peregrino (era esse o nome do viajante) prometeu uma rigorosa obediência, e partiu, com um cajado na mão, em sua jornada.
Antes de chegar muito longe, ele alcançou os limites de uma floresta, através da qual a sua estrada levava. Ali ele se encontrou em um espaço aberto diante de dois caminhos diferentes, na entrada dos quais estavam multidões de andarilhos, que variavam na aparência exterior, mas que ele concluiu serem companheiros de viagem.
Como a estrada que ele seguia terminava aqui, e era necessário escolher um dos dois caminhos, pensei que o via sentado em uma pedra, ali perto, hesitando entre os dois. Não era difícil descobrir qual era o favorito. Era o caminho Espaçoso, sem nenhuma porta. Ele também parecia, pela aparência, mais prazeroso que o outro. Árvores de boa sombra plantadas em ambos os lados; as multidões que se aglomeravam nele pareciam leves e felizes, com pouca preocupação na face e pouco lamento no coração.
O caminho vizinho era muito Apertado, e tinha uma Porta Estreita na sua entrada. Além disso, era frequentado apenas por um pequeno número — uns poucos viajantes dispersos, muitos dos quais tinham lágrimas nos olhos e fardos nas costas.
"Eu nunca pensaria em acompanhar esses andarilhos tristes," disse Peregrino a si mesmo, enquanto se levantava e avançava em direção ao caminho Espaçoso. Porém, conforme ele se aproximava, ele ouviu sons que seu ouvido não estava acostumado a ouvir até então, e que o fizeram tremer. Ele descobriu que viajantes cujos nomes eram Beberrão, Mentiroso, Jurador, Devasso, Infiel e Zombador, seriam seus companheiros na estrada. Ele trouxe à mente palavras que foram marcadas nele pelas orações do pai: "Há caminho que parece direito ao homem, mas afinal são caminhos de morte!"
Então vi que, conforme ele se preparava para refazer seus passos, um indivíduo da multidão veio e o abordou. Seu nome era Enganador, um personagem bem conhecido a todos os homens do Caminho Espaçoso, e um dos servos mais poderosos do Príncipe das Trevas.
"E agora, bom viajante!" ele exclamou, pretendendo ser gentil. "Eu vejo que você está desanimado, como muitos antes de você estiveram, ao entrar nesse Caminho Espaçoso. Conte-me a causa do seu medo."
"O caminho dos ímpios perecerá", respondeu Peregrino firmemente. "Eu quase decidi escolhê-lo, mas agora vejo muitas razões para preferir o outro, por mais apertado e deserto que seja. Eu vou, de qualquer modo, testar aquela entrada estreita. Se ela desapontar minhas expectativas, não será nada difícil refazer meus passos."
"Você se engana, jovem ignorante," respondeu o outro; "assim que se entra por aquela porta não há possibilidade de voltar atrás. A decisão uma vez tomada não pode ser desfeita. Se você só se convencer de testar o Caminho Espaçoso, não haverá necessidade de segui-lo nada além do que sua vontade te levar."
"Mas como eu poderia entrar com uma companhia dessas?" disse Peregrino.
"Bom amigo," disse Enganador, ainda pretendendo ser bondoso, "você vê o pior do caminho no começo— seus companheiros vão ser mais agradáveis a você conforme seguir. É só porque você não está acostumado a tal companhia que você é avesso a ela. Além disso," ele continuou, "ainda que haja só uma entrada para o Caminho Espaçoso, há muitas estradas nele. Se você achar desagradáveis os abertamente profanos e viciosos, não há necessidade de andar em comunhão com eles. Eu vou te apresentar a outros mais adequados ao seu gosto."
Em um momento sem vigilância, Peregrino esqueceu suas resoluções, e, sob a orientação de Enganador, foi conduzido até chegar a um portão, bem abaixo da parede que separava os dois caminhos.
Ele pensou que não poderia estar errado em tentar essa estrada; ainda assim, ele não conseguia esquecer, entre os outros avisos que recebera, que "muitos Enganadores têm saído pelo mundo fora". Mas não havia mais espaço para hesitação. Não demorou para ele perceber que ele e seu guia estavam avançando sem se dar conta, deixando a entrada para trás a uma distância considerável. Enganador, tendo assim cumprido seu objetivo, retornou para exercitar sobre outros a mesma dissimulação sem escrúpulos. Ele sentia que podia deixar o novo viajante com tranquilidade nas mãos daqueles que, iludidos como ele mesmo, agora tinham sido confirmados como homens do Caminho Espaçoso. Em uma coisa o seu condutor não o enganou: Quanto mais longe Peregrino ia, menos ele sentia a aversão, que ele experimentou tão fortemente a princípio, de se misturar com seus companheiros de viagem. Sua linguagem, suas maneiras e seus gostos se tornavam cada dia mais de acordo com os seus próprios. Ele até começou a se impressionar em ter hesitado em escolher esse caminho. Haviam, na verdade, alguns momentos em que os avisos do pai eram vividamente relembrados, especialmente quando ele acabou entrando na companhia de dois indivíduos conhecidos no Caminho Espaçoso, de aparência rude e rebelde, chamados Devassidão e Intemperança. Então com frequência soavam nos seus ouvidos palavras que ele conhecia desde a infância: "Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice." E também: "Retirai-vos do meio deles, separai-vos; não toqueis em coisas impuras;". Ele também, às vezes, se lembrava de como seu pai falava de um dia em que o Senhor Emanuel se assentará em um Grande Trono Branco, em que diante dele serão trazidos todos os viajantes que já atravessaram o Vale das Lágrimas, e em que Ele irá dizer a todo praticante de iniquidade: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno". Ele se lembrava de como ele costumava falar do fim daqueles que não obedeciam o Rei do Caminho; e especialmente de um abismo, no final de uma estrada obscura e enganosa, onde milhares estavam continuamente perecendo sem nenhuma esperança de misericórdia. Um pensamento por vezes percorria-o: Será que ele estava pisando nessa via apavorante? Será que, esquecendo os conselhos do pai, ele estava se apressando em direção a tal ruína, certeira e irremediável? A possibilidade amedrontadora de vez em quando parecia esmagá-lo— ele parava, tremia, e chorava; ou, se desviando do barulho da festança dos companheiros, procurava alguma oportunidade, despercebida por eles, de refazer seus passos. Isso, no entanto, não era uma coisa tão fácil. Ele já tinha, como eu disse, avançado muito no caminho. A estrada que tinha parecido tão larga e espaçosa a princípio, era agora, em muitas partes, estreita e apertada. Novos viajantes estavam chegando; ele era inevitavelmente carregado com o fluxo; a tentativa de voltar só iria expô-lo ao ridículo. Seu companheiros, além disso, achavam que não era difícil rir do que eles chamavam de "seus ataques de lamentação" até passarem. E se algumas vezes eles fossem mais persistentes que nas outras, eles tinham sempre um remédio fácil à mão, que era atraí-lo para um dos muitos Quiosques de Prazer construídos pelo Príncipe das Trevas ao longo do caminho. Lá, no meio de novos fascínios e deleites carnais, eles conseguiam dissipar suas convicções passageiras e medos. Assim, dia após dia, Peregrino se encontrou correndo junto da multidão— seu coração se tornando menos e menos suscetível à perturbação a cada aviso resistido. A infeliz vítima de mil paixões vulgares rapidamente ficou sem tempo para questionar aonde seus passos estavam o levando. Mas, mesmo sem ele saber, o Poço de Perdição estava próximo, e ele estava prestes a ser convocado a tomar seu lugar nas suas fronteiras.
Vi no meu sonho que uma noite, enquanto as sombras da tarde se fechavam em volta, ele se encontrou, fraco e exausto, na entrada de um vale. Rochas íngremes, de ambos os lados, estavam franzidas sobre a sua cabeça e lançavam uma escuridão sinistra na estrada abaixo, enquanto um rio espumante, obscuro e agitado, passava no meio de suas bordas estreitas. Era o Vale da Morte!
Conforme o viajante entrava, um horror de tamanha escuridão veio sobre ele. Ele se lembrou de ter ouvido falar de uma estrela — a Estrela de Belém — que dava luz e paz aos que passavam. Agora ele procura por ela, em vão; quanto mais ele avançava, mais intensa era a escuridão. O chão começou a ceder sob seus pés. Trovões ecoaram de todos os lados. O momentâneo brilho do raio só servia para revelar-lhe que ele estava a caminho das Trevas Exteriores! Ao alcançar o fim do vale, ele testemunhou, bem diante dele, colunas de fumaça e chamas saindo da boca do abismo. Choro, também, parecendo os gritos de homens morrendo, era carregado até suas orelhas. Realmente, havia apenas um passo entre ele e a morte!
"O que devo fazer para ser salvo? O que devo fazer para ser salvo?" exclamava o homem agonizando, fazendo um esforço desesperado de refazer seus passos; mas, por sua fraqueza, ele caiu impotente no chão. Era apavorante o espetáculo que então se apresentou. Centenas em volta dele estavam caindo no precipício, pronunciando loucas maldições; outros, já no poço, estavam em vão levantando a voz e clamando por uma única gota d'água para refrescar suas línguas. "Ó Deus, tem misericórdia!" eles gritavam; "salva-nos deste lugar de tormento! O nosso castigo é grande demais, não podemos suportá-lo." Peregrino não tinha tempo de observar a cena. As multidões atrás estavam pressionando-o, a todo momento, para mais perto da borda; ele também teria caído de cabeça nas chamas se não houvesse ao seu alcance uma pedra saliente, que ele agarrou nas agonias da morte. Enquanto ele continuava assim, tremendo ao lado do abismo, um indivíduo se aproximou, com uma face sombria e obscura. Seu nome era Desespero, e tinha um sorriso de triunfo demoníaco nos lábios.
"Ora, bom viajante," ele disse, dirigindo-se a Peregrino; "você chegou bem perto do fim da sua jornada. Há agora somente um passo entre você e a perdição, e quanto mais rápido esse passo é dado, melhor para você!"
"Ah, miserável homem que eu sou!" disse Peregrino, com um brado de agonia ; "não há ninguém que possa me livrar desse abismo de morte? Me diga, se você tem alguma compaixão por uma pobre alma, não há nenhuma forma possível de ser liberto destes tormentos?"
"Nenhuma! Nenhuma!" respondeu Desespero; "nunca nenhum viajante antes de você sequer se arriscou a fazer essa pergunta; no momento em que você entrou neste vale a sua Eternidade se perdeu!"
"Não," disse Peregrino, que estava tão assombrado com o terror que dificilmente conseguia juntar seus pensamentos para responder, "eu creio ter ouvido falar uma vez de um tão perdido quanto eu, chamado Malfeitor, que esteve onde eu estou agora, nesse horrível precipício. Bem no momento em que ele estava prestes a cair ele clamou, implorando, 'Senhor, lembra-te de mim!', e imediatamente uma corrente dourada de graça desceu do céu, e naquele mesmo dia ele esteve com Jesus no paraíso."
"Isso foi só um sonho seu, infeliz viajante," disse Desespero. "Se você tivesse pensado em voltar enquanto passava pelo deserto, ou antes de chegar na entrada do Vale da Morte, poderia restar alguma esperança, mas agora todas as possibilidades de escapar acabaram. Além disso, se o Rei do Caminho Apertado desejasse te resgatar, ele teria te impedido muito antes. Mas já que ele suportou você chegar tão longe, está claro que ele não quer que você volte, antes, deseja a sua morte."
"Espere! Espere!" exclamou um desconhecido, agarrando o braço de Desespero, que tinha acabado de apanhar Peregrino para jogá-lo nas profundezas abaixo. "Eu fui enviado pelo Rei Emanuel," disse ele; "sou seu ministro e mensageiro a pecadores que estão perecendo como você. Ouça, e a sua alma viverá!"
"O principal dos pecadores! O principal dos pecadores!" gritava o homem agoniado, primeiro batendo no peito, e depois apontando para o poço abaixo: "Não pode haver nada para mim senão essa amedrontadora forma de juízo e fogo vingador, que vejo devorando os adversários de Deus. O que mais eu posso esperar, já que acumulei contra mim mesmo ira para o dia da ira?"
"Ainda há esperança," disse o outro; "Eu sou um embaixador da corte de Emanuel. Eu trago comigo um tratado de paz. Aqui estão os artigos do tratado," ele continuou, desenrolando o rolo do evangelho, que ele carregava debaixo do braço. "E agora, como um embaixador de Cristo, rogo, em Seu nome, se reconcilie com Deus."
"Ai! Ai!" respondeu Peregrino, se lamentando, "seu rolo só pode ter 'lamentações, suspiros e ais' para mim. Eu sou pecador definitivamente; e o meu salário é a morte eterna."
"Ouça," disse o outro, "aquilo que o Senhor Emanuel tem a dizer a você." Então vi naquele instante que o mensageiro abriu o rolo de pergaminho e leu o seguinte para Peregrino: "Não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Converta-se, converta-se, por que hás de morrer?" "Portanto, ele é capaz de salvar definitivamente."
"Salvar definitivamente!" gritou o homem desanimado— se maravilhando daquilo que soava como música aos seus ouvidos: "será que pode mesmo ainda haver 'perdão com o Senhor, para que O temam?'"
"Com o Senhor," respondeu o outro, "há misericórdia e copiosa redenção. É, de fato, por suas misericórdias que você não é consumido. Na verdade, Ele pode ter jurado, com justiça, no dia da Sua ira que você nunca entraria no Seu descanso, mas Ele me enviou para te trazer de volta dos portões da morte, e proclamar que esta ainda é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que o Senhor Emanuel veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais você é o principal.'"
"O principal! O principal mesmo!" novamente gritou Peregrino; "'pois já se elevam acima de minha cabeça as minhas iniquidades'; são mais numerosas que os cabelos de minha cabeça, por isso meu coração desfalece. Não sou eu um tição tirado do fogo?"
Desespero fez um último esforço para empurrar Peregrino da pedra e fazê-lo cair no poço abaixo, mas o servo do Senhor Emanuel o pegou, e o levou ao único caminho de escape, chamado Caminho da Vida.
CAPÍTULO 2
Depois, no meu sonho, pensei que via Peregrino em pé diante do portão do Caminho Apertado pedindo permissão para entrar. Acima dos umbrais estavam escritas, em grandes letras, as palavras "BATEI, E ABRIR-SE-VOS-Á."
Enquanto ele estava batendo, observou ali perto dois homens, que evidentemente tinham a intenção de serem companheiros da sua viagem. Havia, no entanto, algo no seu jeito e aparência que era muito diferente do que se esperaria daqueles que estão esperando o portão se abrir. Um, cujo nome era Procrastinação, estava deitado na grama, quase dormindo, com sua bolsa e tudo que havia dentro dela jogado a sua volta. O outro, chamado Presunção, estava sentado ao pé de uma árvore, sussurrando as palavras de uma música. A princípio Peregrino hesitou em se dirigir a eles, mas não vendo ninguém mais com quem conversar, se aproximou deles dizendo:
"Eu imagino que vocês pretendem ser viajantes para Sião, bons amigos?"
"Nós pretendemos," responderam os desconhecidos.
"Então é provável que viajemos juntos," continuou Peregrino; "se, é claro, vocês não se incomodarem se eu acompanhar vocês."
"Isso depende muito," disse Procrastinação, levantando-se, "se você tem os mesmos gostos que os nossos. Pela nossa experiência, há poucos viajantes do Caminho Apertado que se sentem dispostos a permanecer conosco. E, se eu posso julgar pela forma que você estava batendo no portão, não é muito provável que você seja uma exceção."
"Eu imagino que estamos de acordo," respondeu Peregrino, "no nosso desejo de escapar o mais rápido possível desse lugar arriscado e conseguir entrar pelo portão."
"Sim," disse Procrastinação; "é o meu firme propósito ser um viajante do Caminho Apertado e enfim chegar na Nova Jerusalém; mas eu não estou a fim de começar a jornada tão abruptamente. Eu não me recuperei do meu cansaço. Antes de deixar esse meu descanso atual eu preciso de 'Um pouco mais de sono, mais um breve cochilo, mais um pouco de braços cruzados para descansar.'"
"Eu gostaria que você pensasse bem, companheiro de viagem," respondeu Peregrino, de forma sincera, "se é seguro continuar a desperdiçar o tempo que logo há de acabar. 'Vai alta a noite, e vem chegando o dia.' 'Aquele que vem virá e não tardará.' Se você se entregar ao cochilo agora, talvez você durma o sono da morte. É, com certeza, a hora, ou melhor, 'Já é hora de vos despertardes do sono!'"
Procrastinação não respondeu — só balançou a cabeça e murmurou, "Pode sair. Quando achar conveniente, mandarei chamá-lo de novo." Ele gradualmente se abaixou, voltando à posição da qual tinha se levantado, cruzou os braços, e mais uma vez entrou em um cochilo.
"Você não precisa se preocupar com a nossa segurança," disse seu companheiro Presunção, dirigindo-se a Peregrino; "nós nos colocamos, como você pode ver, bem ao lado do portão. Estamos tão perto dele que podemos entrar a qualquer hora. Eu vou vigiar e estar atento para a vinda do Arauto do Juízo; há só alguns passos entre nós e a segurança."
"Tome cuidado," disse Peregrino, "para que você não se engane. Você parece não ter noção do terrível e iminente perigo. Se você esperar até o Vingador de Sangue estar à vista, pode ser que antes da chave girar na tranca ele já te corte em pedaços! Além disso, por contar com a paciência do Rei do Caminho, Ele pode te abandonar ao seu destino, e 'ficar zombando quando chegar o terror.'"
"Ah, mas eu sei," respondeu Presunção, "que o Livre Graça tem as chaves do portão. Até hoje ele nunca rejeitou um viajante que pediu permissão para entrar."
"Não mesmo," disse Peregrino, "nenhum viajante que busca entrar ali por amor ao Senhor Emanuel; mas de alguém como você, que só quer fugir da espada do Vingador e escapar da ira vindoura, eu tenho dúvidas se ele atenderia às batidas." "Ouçam!" ele continuou, ouvindo o som dos passos lá dentro se aproximando do portão. Eles eram acompanhados por uma voz, que anunciava, "Eis, agora o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação!" A tranca estalou e a porta ficou frouxa. Peregrino, com o coração transbordando de alegria, vendo que a porta estava prestes a ser aberta, novamente exortou os dois viajantes indiferentes a acompanhá-lo, mas eles só repetiram suas primeiras respostas.
Vendo que insistir era em vão, ele vigorosamente correu ao portão, dizendo, "O que quer que os outros façam, quanto a mim, eu servirei ao Senhor!"
"Quem está aí fora, batendo?" questionou a voz vinda de dentro.
"Um pobre viajante," respondeu Peregrino, "que recebeu a orientação do Senhor Emanuel para vir a esse portão pedir permissão de entrar."
"Qual o seu nome?" perguntou Livre Graça, o guarda do portão.
"O nome que herdei é Pecador," disse o outro, "e meu sobrenome, Peregrino."
"Qual é a sua justiça?"
"Minha justiça," foi a resposta, "é como trapo da imundícia."
"Que argumentos, então," questionou o guarda, "você tem a oferecer?"
"Nenhum," disse Peregrino, "senão este: sou 'infeliz, miserável, pobre, cego e nu,' mas vim aqui para 'comprar ouro refinado pelo fogo para me enriquecer, vestiduras brancas para me vestir, e ter meus olhos, que ainda estão ardendo pela visão do poço, ungidos com colírio, a fim de que eu veja.' Faça o favor de 'abrir-me as portas da justiça,' para que eu possa entrar e estar seguro."
"Esse caminho foi feito," respondeu o guarda, "e esse portão aberto, precisamente para pecadores como você. 'Entre, cansado e sobrecarregado, e o Senhor Emanuel te aliviará.'"
Falando dessa forma, o portão acompanhou as dobradiças e revelou a Peregrino um homem idoso, com uma expressão benigna e celestial.
"Por seis mil anos," ele disse, "eu tenho estado neste portão, autorizado pelo Senhor do Caminho a abri-lo para os viajantes cansados, e Ele está tão disposto a recebê-los agora quanto na primeira vez que foi aberto. Seu amor pelos pecadores o passar dos anos não pode diminuir. 'Entra, bendito do Senhor, por que estás aí fora?'"
Então vi que ele conduziu Peregrino pelo pátio da entrada. Imediatamente à frente da porta da casa em que Livre Graça morava estava um lago ou fonte de águas, cercado por árvores e arbustos coroados com um verde de beleza inigualável, e que eram refletidos em muitos tons amáveis na superfície calma. Imediatamente atrás se levantava um templo, em cujo pináculo estava um querubim alado, chamado Evangelho, com uma trombeta nas mãos, com a qual, em intervalos, ele soava a proclamação, "Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas", enquanto um coral de vozes joviais abaixo respondia: "O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida."
"Será que é essa" perguntou Peregrino a Livre Graça, "a fonte que ouvi, um tempo atrás, celebrada em canções por alguns viajantes a Sião?"
"É ela," disse o guarda; "e antes de avançar na sua jornada, você precisará receber uma veste branca, lavada nas suas águas."
Dito isso, ele ajudou Peregrino a tirar o que restava da sua cobertura esfarrapada de justiça própria. Um manto de linho branco, que estava na borda do lago, ele secou nos raios do sol, e o vestiu com ela.
Peregrino se agachou sobre a fonte, e, vendo a sua imagem refletida nela, disse, "Me alegrarei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça!"
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