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Jesus das Cicatrizes, de Edward Shillito | Tradução de Poema

Jesus das Cicatrizes, de Edward Shillito


Se nunca buscamos, Te buscamos então;

Teus olhos são chamas no escuro, nossas únicas estrelas, diretrizes;

Precisamos dos espinhos de Tua fronte na nossa visão;

Precisamos de Ti, Oh Jesus das Cicatrizes.


Os céus nos assustam— calmos demais são;

Em todo universo não temos nós lugar.

Nossas feridas estão doendo; os bálsamos, onde estão?

Senhor Jesus, por Tuas Cicatrizes, Tua graça vamos clamar.


Se, quando nossas portas estão fechadas, a nós Te achegas,

Revela estas mãos, este Teu lado;

Sabemos o que são feridas, não temas,

Mostra-nos Tuas Cicatrizes, sabemos seu significado.


Os outros deuses eram fortes; mas Tu foste fraco;

Eles cavalgaram, mas Tu tropeçaste até o trono, és diferente;

Mas às nossas feridas só as de Deus podem falar de fato,

E deus algum tem feridas, senão Tu somente.

~ Edward Shillito (1872-1948)



 Esse poema acima é minha tradução de "Jesus of the Scars", de Edward Shillito, composto em reação aos horrores da Primeira Guerra Mundial. Vou fazer alguns breves comentários.

 

 Podemos organizar o poema da seguinte maneira: 

  • A primeira estrofe é uma confissão geral do quanto necessitamos de Cristo como guia;

  •  A segunda mostra o motivo dessa necessidade: a dor;

  •  A terceira dá o modo pelo qual Cristo supre essa necessidade: Ele nos faz conhecer a Sua dor;

  •  Por fim, na última estrofe há uma breve comparação entre Cristo e os ídolos, e vemos que Sua glória e nossa paz são uma só coisa: Cristo é tão gloriosamente humilde que veio nos salvar da dor, em dor.


 Da primeira estrofe eu achei muito marcante a expressão "Teus olhos são chamas no escuro, nossas únicas estrelas". Aqui há alusão à prática de se guiar pelas estrelas na navegação, como o que os reis magos fizeram ao visitar Jesus em Belém. Por isso, o autor dá a entender a imagem de um mundo completamente envolto nas trevas da dor, mas no qual, se olharmos para cima, podemos ver nitidamente os olhos do Senhor cortando o céu como chamas de fogo— Ele vê até o sofrimento mais profundo e interior. Fazemos bem em andar guiados por essas estrelas, como nossa diretriz.

 O verso seguinte também é muito interessante.  Vem da confissão de que nossa vida seria diferente se tivéssemos sempre em mente a visão de Cristo crucificado, com os espinhos perfurando a cabeça. Com essa visão não pecaríamos; com essa visão não seríamos orgulhosos, e com essa visão também seríamos menos angustiados ao passar pelo sofrimento. Você viveria diferente se, a cada ação, lembrasse de Deus nosso Salvador perecendo, bem diante dos seus olhos?¹


 A segunda estrofe começa com um impacto: No meio do terror da guerra, da perversidade humana no ápice, gente morrendo, caindo aos montes, os céus assustam. Não porque parecem cair sobre nossas cabeças, mas precisamente pelo contrário— seguem da mesma forma, indiferentes ao que acontece na terra. Essa é uma crítica discreta às outras religiões, e será retomada no terceiro verso da última estrofe. O fato é que o homem parece um ser perdido na criação, desconfortável nas suas dores por não estar acolhido por ninguém. “Os bálsamos, onde estão?”, pois os céus já demonstraram não ter resposta, e na terra a quem podemos recorrer? A resposta está no salmo 73:25, e também no verso seguinte. 


 Da terceira estrofe eu só gostaria de fazer notar que é uma alusão a João 20:19, a cena em que os discípulos por medo se trancam em um quarto até que de repente, mesmo com as portas fechadas, Cristo aparece entre eles, ressurreto. Nesse momento Tomé ainda tem dúvidas, mas então põe o dedo no lado de Cristo (como na pintura) e percebe que o Senhor realmente ressuscitou – e permaneceu com suas cicatrizes – e por isso reconhece Cristo como "Meu Senhor e meu Deus!" 

 É muito profunda a realidade de que Cristo guardou as cicatrizes após a ressurreição. Vale lembrar o Salmo 56:8, "recolhes em teu odre todas minhas lágrimas". Todas nossas lágrimas são guardadas por Deus, e todas marcas de Seu sofrimento Cristo conservou. Diante disso, sabemos que o Senhor não ignora a dor, pelo contrário, Ele guarda a marca de cada uma e age de acordo.

Se trouxermos a Deus um odre transbordando de lágrimas, Cristo estenderá Suas mãos transpassadas para receber, e essa própria visão já nos cura. Suas cicatrizes falam sobrenaturalmente às nossas. E a última estrofe é precisamente sobre isso.


 Aqui na última estrofe temos um contraste muito explícito entre nosso Senhor e os ídolos. Estes se apresentam como fortes e poderosos. Mas onde está a sua força quando sofremos? No meio da guerra os deuses calam. Os outros sim, mas Cristo não. O Deus Triuno da bíblia é o único que tem voz viva no assunto do sofrimento. “Senhor, permites o sofrimento no mundo?!” “Sim, permito, e sei o que estou fazendo. Mas tenha calma, eu também sofri.” A glória de Cristo está precisamente em ter tropeçado na Via dolorosa, em não ter sentado sobre um trono vestindo púrpura mas sim em ter estendido as costas feridas sobre a rude madeira da cruz. A pior dor é não ser compreendido. Cristo, bendito sacerdote e rei nosso, nunca nos deixará passar por ela: Em tudo foi tentado, mas sem pecado; padeceu as mesmas coisas que nós, mas ressuscitou. Nossas feridas são abraçadas pelas cicatrizes do nosso Deus.



 ¹  O Jonas Madureira tem um sermão muito esclarecedor e edificante sobre esse assunto, expondo Romanos 8, aqui o link: https://www.youtube.com/watch?v=mqaF9AEDRMI


O poema original está aqui:

https://www.thegospelcoalition.org/blogs/justin-taylor/jesus-of-scars/


O Diego Venâncio gravou uma versão desse poema em forma de música, aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=0Rwl8VDPA6w


A imagem é a pintura "A Incredulidade de São Tomé", de Caravaggio.




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