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Estações | Eclesiastes 3:1-13

  A vida é essencialmente feita de estações. Em uma época você está extraordinariamente produtivo, em outra está enrolado no ócio; em um tempo você sai todo sábado com os amigos, em outro passa semanas sem trocar mensagens; hoje você tem os próximos seis anos meticulosamente planejados, mas amanhã pode ser que a ilusão de genialidade caia por terra. Assim, a vida é feita de modo que há um tempo pra tudo, mas isso significa também que tudo dura só um tempo, uma temporada, e depois muda. O nosso caminho é uma trilha acidentada de nascimento a morte – passamos tanto por colinas alegres quanto vales desesperadores –, não é uma pista retilínea de velocidade constante, não é um passeio num bosque de eterna alegria. Mas só quando sentimos essas mudanças na pele é que percebemos que a eternidade não está nas nossas mãos, sob controle, ainda que esteja no coração, em desejo.

 

 O que Salomão descobriu e escreveu para que todos nós possamos entender é que isso, essa variedade inimaginável de estações na vida, é boa e que devemos apreciá-la:


"1 Tudo tem uma ocasião certa, e há um tempo certo para todo propósito debaixo do céu.
2 Tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou;
3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar;
4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de dançar;
(…)
9 O que ganha o trabalhador com todo o seu esforço?
10 Tenho visto a tarefa difícil que Deus deu aos homens para nela se ocuparem.
11 Tudo que ele fez é apropriado ao seu tempo. Também colocou a eternidade no coração do homem; mesmo assim, ele jamais chega a compreender inteiramente o que Deus fez.
12 Compreendi que não há felicidade para o homem, a não ser alegrar-se e fazer o bem enquanto vive.
13 Compreendi também que poder comer, beber e desfrutar do seu trabalho é um presente de Deus."
Eclesiastes 3:1-4, 9-13


 “O que ganha o trabalhador com todo o seu esforço? Tenho visto a tarefa difícil que Deus deu aos homens para nela se ocuparem.”


 O nosso trabalho não consegue estabilizar o ciclo da vida. O salário cai todo mês, mas nem todo mês a pizza de lombo com requeijão vai ser tão boa; você pode saber onde vai estar e o que vai fazer de segunda a sexta, das 08:00 às 18:00, mas não sabe se vai ser tão satisfatório ou frustrante quanto qualquer outro dia— não sabe em que estação estará a vida. Há um tempo para tudo, e isso quer dizer que tudo muda e dura só um pouco. Salomão considera essa tarefa de viver numa estrada sem mapa como sendo uma tarefa difícil, ainda que dada por Deus. Pense no primeiro dia de escola: tudo é novo e arbitrário, demora algum tempo até entrar no ritmo; na verdade, a vida toda é um primeiro dia de escola, sem agenda para marcar o horário das aulas. O ritmo não é “duas aulas seguidas de matemática e depois recreio” porque as alegrias e decepções da vida real não são medidas e nem tem padrão. Aquela época em que você “acorda tão bem, rindo à toa, gosta do que pensa e gosta do que faz” pode durar um dia ou mil anos— o calendário não é nosso, é do Senhor. Por isso, a sabedoria de Salomão está em nos informar sobre a nossa própria situação mais do que em dar estratégias para mudá-la. 

 

 Dessa forma, nesse trecho ele prossegue nos ensinando: 1. Porque a vida é assim; 2. Porque ficamos desconfortáveis com isso; 3. Como viver de acordo.


 Primeiro, o motivo de Deus fazer a vida assim é simples:


“Tudo que ele fez é apropriado ao seu tempo.”


 Outra tradução diz que tudo é “belo” em seu tempo. O sentido é o mesmo: cada uma dessas estações que Deus ordena sobre a nossa vida é boa em seu tempo, é bom que exista enquanto Deus quiser que ela exista. É como se todas estações fossem primaveras para diferentes tipos de flores na nossa vida— a estação do abraço faz brotar a gratidão, mas é a estação do luto que faz brotar a devoção e o arrependimento; a estação da amizade faz brotar a generosidade, mas é a estação da pobreza que faz brotar a dependência. Ou, usando a metáfora do Stênio Marcius, a vida é uma grande obra de tapeçaria tecida com as mais variadas linhas, coloridas de alegria ou tristeza, mas que Deus usa em conjunto para expressar a vasta beleza da Sua glória. Portanto, ainda que algumas estações sejam amargas, elas também são apropriadas, justas. Podem ser desagradáveis, mas nunca são inúteis na vida do servo de Deus.


 Então, o que devemos lembrar quando a vida parece mudar de tom repentinamente? Devemos lembrar que Deus é o maestro da primavera, verão, outono e inverno, bem como das dificuldades, das harmonias e de tudo mais. Nenhuma época da vida está fora do controle de Deus, então só precisamos agir de acordo com essa verdade, em ação, oração e devoção.


 Agora, ele explica porque é tão difícil se conformar a esse paradigma:


 “Também colocou a eternidade no coração do homem; mesmo assim, ele jamais chega a compreender inteiramente o que Deus fez.”


 O que acontece é que a eternidade está no nosso coração. Queremos pendurar o calendário da vida bem na nossa frente para sabermos planejar cada passo. Nosso desejo é a eternidade, principalmente no sentido de ter toda ela diante dos olhos. Mas, ainda que o desejo esteja no coração, Deus não permitiu que ela esteja em nossas mãos. Não podemos compreender exatamente o que Deus fez e o que Ele está fazendo, por mais que criemos mil teorias. No final das contas, Ele sabe o que faz, e se você olhar para trás na história da sua vida vai concordar. Por isso, basta que nos contentemos com a sabedoria do Senhor e neguemos a nossa própria.


 Enfim, Salomão nos dá uma direção para aproveitarmos melhor essa vida tão incontrolável:


 “Compreendi que não há felicidade para o homem, a não ser alegrar-se e fazer o bem enquanto vive. Compreendi também que poder comer, beber e desfrutar do seu trabalho é um presente de Deus.”


 Ou seja, o melhor, em qualquer estação que estivermos, é glorificar a Deus e apreciar os Seus presentes. Como “a árvore plantada junto às correntes de águas, que dá seu fruto no tempo certo e cuja folhagem não murcha,” assim também nós devemos dar frutos, “fazer o bem” – com generosidade, humildade, amor e devoção em cada obra –, em todas as estações da vida, ou seja, “enquanto vive”. A conclusão é que nossa felicidade é sermos para a glória de Deus em todas as temporadas da vida (é claro, cada temporada trará as suas oportunidades específicas de como podemos fazer isso), mostrando que, apesar dos problemas, estamos alegres porque podemos fazer o bem e comemos, bebemos e desfrutamos do nosso trabalho porque Deus nos presenteou com isso. “Seja comendo, seja bebendo, seja fazendo qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.” Não importa qual for o momento específico da nossa vida, Deus é bom e está expressando, de alguma forma, a Sua Beleza de sabedoria, justiça e bondade, e nos dando alguma oportunidade de “fazer boas obras para que glorifiquem nosso Pai, que está no céu.”


 Mas isso tudo ainda é muito abstrato. Quem viveu a vida toda e voltou para dizer se em toda ela Deus foi bom? Quem pode dizer que todas estações deram fruto? Há um, mais sábio que Salomão, que viu o trabalho da sua alma e ficou satisfeito.


 O Senhor Jesus teve a vida toda registrada, e em toda ela brilha a glória de Deus. Lembre-se que enquanto caminhava pela Galiléia, mesmo sem lugar onde reclinar a cabeça, fez milagres e maravilhas, levou a boa notícia de que Deus resgata Seu povo e é Seu rei pessoal. Quando foi preso e morto, não foi em vão, foi para salvar para sempre esse povo. A ressurreição foi maravilhosa porque Ele mostrou que mesmo depois de ter sido rejeitado ainda vai buscar todos os Seus em todo o mundo pelo Espírito que convence por meio das palavras dos apóstolos. Subiu ao céu não por uma inevitabilidade trágica, mas porque assim intercede por nós e governa a igreja enquanto alcança até os confins da terra com Seu Reinado de amor, reconciliação e esperança certa. Finalmente descerá de novo, não para descartar tudo, como se nada tivesse acontecido, mas para fazer novas todas as coisas, para trazer a Cidade e Seu Trono para junto do povo.


 O Rei Jesus não foi imune às mudanças no tempo de viver e morrer, pelo contrário, o Trono está ocupado por Aquele que manteve voluntariamente as cicatrizes. Em cada estação vemos a vida de Cristo dando frutos e flores de redenção para o Seu povo escolhido. Na nossa vida também, unidos a Ele pela fé, poderemos ver – no tempo de chorar e rir, prantear e dançar – os frutos de santificação que mostram a beleza do Deus que cuida de nós em todo tempo, com todo tipo de tempo. Veremos que “todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus”, mesmo a temporada de fraqueza e pouco resultado. Se seguirmos o nosso Senhor Jesus com todo nosso viver, veremos que, em verdade, “a chuva caiu, os rios se encheram, os ventos sopraram e bateram com força contra aquela casa; contudo ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha.”


"Nenhuma disciplina parece no momento motivo de alegria, mas de tristeza. Depois, porém, produz um fruto pacífico de justiça nos que por ela têm sido exercitados." Hebreus 12:11



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